quinta-feira, abril 25, 2013

Nagasaki - Parte II

Leia a parte I aqui.

(SUGESTÃO DE ÁUDIO PARA COMPLEMENTAR A LEITURA)


1945: 9 de agosto

A escuridão assentava-se sobre a cidade de Nagasaki, localizada na ilha de Kyushu. O solo perdia as cores habituais e ia enaltecendo-se ao negro: o absoluto negro da morte. A crença tomada por muitos de que a alma se expulsa do corpo quando a vida cessa se dava ali.

Muitos dos corpos não eram mais que um efeito da pólvora; as sombras atômicas se encontravam espalhadas por vários cantos: almas saindo, espíritos se desencontrando num ato emergencial. Um cortejo fúnebre no meio de toda aquela mortandade. 

Horrenda e tristonha era a tal imagem que só quem vivenciava podia perceber. Os ectoplasmas iam em todas as direções, contorcendo-se e urrando gritos de uma dor miserabilíssima. Os errantes em estágio inicial já assentados no inferno comemoravam a melancólica alegria de não terem que passar por todo o espetáculo que a bomba Fat Man produzia; a maldição deles era menor e menos duradoura.

Três dias antes

Naquele 6 de agosto uma vida já estava em processo de geração. Meiying foi carbonizada grávida e nem sabia que uma história de terror começaria ali.

***

O mundo dos espíritos guarda um terrível segredo: sob outra forma, todo e qualquer corpo continua a se desenvolver, não importando as condições em que tenha morrido; e, lá, a morte não é uma possibilidade.

Meiying e Hiroyuki se entreolhavam quando se iniciava a manifestação pavorosa de seguimento à vida. O feto malformado se expelia agora com o sentimento aturdido de Meiying e a indignação do mundo dos vivos. Aborto provocado pela falta de vida de um corpo amaldiçoado à condenação eterna.

‘’Toda a desgraça me acometeu! Eu quero meu filho, isso não é meu filho!’’ Ela não podia aceitar que um pedaço de pele e carne como aquele era parte dela. Gritava abominavelmente emitindo sons que só os espíritos emitem; sons potencializados de pessoas sendo assassinadas brutalmente, sem poder correr ou ver.

1947: 17 de maio-

A família Sakamoto seguia tradicionalmente cada costume japonês, mas não se detinha à não valorização do sexo e tinha em seu cerne a inclinação ao desvio de conduta mais sujo e perverso possível. Os patriarcas criavam cachorros e cavalos, uma atitude incomum no Japão. Usavam-nos para acoplar a genitália de seus filhos aos animais, enquanto assistiam e se regozijavam.

A mãe, Katashi, atiçava os animais masturbando-os e deixando-os lamber os lugares onde escorriam fluidos. O pai, Hajime, urinava e defecava por todo o espaço de habitação dos animais, isso quando não sangrava e escrevia imundícies pornográficas na parede.

Na época de cio, os rituais aconteciam diariamente. Os filhos abominavam todo aquele sofrimento, mas, o que os pais não sabiam, é que, inconscientemente, seus herdeiros adoravam sucumbir às suas vontades, por isso não denunciavam e nunca fugiam de nada. Hajime e Katashi finalizavam com a prática do bukkake, ejaculando e jorrando seus líquidos na face dos adolescentes.

***

Há céticos que ainda duvidam da existência de assombrações. No período da invisível disseminação dos ectoplasmas cada um deles foi direcionado a um lugar. Nagasaki, a mais de trezentos mil quilômetros de distância de Hiroshima, foi bombardeada mais uma vez, só que pelos espíritos andarilhos. Tão incauta e improvidente cidade de Hiroshima, sem culpa nem medo.

Hiroyuki e Meiying se debateram entrelaçados até sua parada final: a casa da família Sakamoto. Que apercebimento horrível tiveram quando presenciaram os rituais sádicos dos patriarcas. Não demorou para que Meiying ficasse muito perturbada e reagisse.

Os púberes, chorando, olharam para cima. Primeiro a parte mais importante da família: Meiying sugou o corpo à parede e engoliu a cabeça de Katashi, aspirando-o, enquanto o sangue irrompia e fazia a parede parecer hemorrágica. Hajime, o primeiro membro da família com desordem mental extrema, sofreu um arranque de órgãos externos quando, violentamente, foi trazido à parede, a um metro de distância de onde o corpo de Katashi agora despencava.

Esparramados no chão sobre a reação apavorada dos filhos. Os mesmos filhos que se jogaram contra a parede ensanguentada em busca de resgatar os pais e acabaram se matando.

Os espíritos vagam. Jamais se retiraram do solo amaldiçoado do Japão. Permanecerão ali por todos os séculos póstumos às explosões da Segunda Guerra Mundial, assombrando quem quer que possam, em busca de renascimento. Estão pagando pela imprudência e desatino do homem, o mero e inconsequente mortal.


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